Reflexões sobre a obra: As estrelas descem à Terra
Sandy Katherine Weiss de Almeida
Rosemary Roggero
A obra As estrelas descem à Terra (The Stars Down to Earth), publicada originalmente em 1952, representa um exemplo privilegiado da aplicação do método crítico adorniano a fenômenos culturais aparentemente triviais. Nesse ensaio, Adorno analisa a coluna astrológica de Carroll Righter, publicada no Los Angeles Times, transformando o horóscopo em objeto de reflexão sociológica sobre a presença do irracionalismo e sua funcionalidade nas sociedades capitalistas avançadas.
O propósito central do estudo não consiste em discutir a validade ou a falsidade da astrologia, mas em compreender o modo como ela funciona como documento social e instrumento ideológico. Como afirma o próprio Adorno, “não se trata de verificar se as previsões são verdadeiras ou falsas, mas de examinar a função social que exercem” (ADORNO, 2007, p. 27). Nesse sentido, a astrologia popular constitui um mecanismo de socialização que, ao mesmo tempo em que entretém, naturaliza padrões de comportamento e reforça disposições subjetivas de adaptação e submissão.
A análise empreendida por Adorno identifica alguns traços estruturais da mensagem astrológica. Em primeiro lugar, a indução ao conformismo, que se manifesta na recomendação sistemática de aceitação passiva das condições dadas: “o indivíduo é constantemente advertido a adaptar-se, a não resistir, a evitar qualquer atitude que rompa com a ordem estabelecida” (ADORNO, 2007, p. 41). Em segundo lugar, evidencia-se um autoritarismo latente, na medida em que o horóscopo transfere a responsabilidade da ação individual para forças externas, como os astros e o destino, o que equivale, em termos sociais, a uma submissão às hierarquias e poderes vigentes. Em terceiro lugar, nota-se o recurso à pseudorracionalidade, uma vez que os textos utilizam “um jargão técnico-científico desprovido de qualquer consistência lógica” (ADORNO, 2007, p. 58), simulando rigor e legitimidade. Por fim, há a presença do individualismo abstrato: embora os conselhos sejam formulados como personalizados, são, de fato, generalistas, podendo valer para qualquer sujeito.
Esses elementos permitem a Adorno inscrever a astrologia de massas no âmbito mais amplo da indústria cultural e de sua função social. Tal como a publicidade e o entretenimento padronizado, o horóscopo “canaliza energias individuais para preocupações privadas e banais, desviando-as de qualquer reflexão crítica sobre a sociedade” (ADORNO, 2007, p. 66). Assim, a astrologia popular integra aquilo que Adorno e Horkheimer denominaram “irracionalidade organizada”, isto é, formas de irracionalismo que, em vez de oporem-se à racionalidade instrumental do capitalismo, articulam-se funcionalmente a ela, contribuindo para a manutenção da ordem social.
A relevância desse ensaio ultrapassa o objeto empírico específico analisado. As estrelas descem à terra exemplifica o gesto teórico característico da crítica adorniana: interpretar manifestações culturais cotidianas como sintomas de processos sociais totalizantes de dominação e alienação. Além disso, ao analisar a persistência e a instrumentalização do irracionalismo em sociedades modernas, Adorno antecipa debates contemporâneos sobre pseudociências, teorias da conspiração e “fake news”.
Em suma, ao demonstrar que o horóscopo de jornal não é um simples divertimento trivial, mas um artefato ideológico que promove conformismo, submissão e perda da capacidade crítica, Adorno revela como práticas culturais aparentemente inofensivas participam ativamente da reprodução de formas autoritárias de organização social.
Uma relação entre As estrelas descem à terra e o papel do diretor de escola pode ser pensada a partir da crítica adorniana à irracionalidade organizada e ao conformismo social. O horóscopo analisado por Adorno mostra como práticas culturais aparentemente inofensivas funcionam como dispositivos de adaptação, bloqueando a capacidade crítica e reforçando disposições autoritárias, como já dito. De modo análogo, a escola pode tanto reproduzir essas mesmas lógicas de adaptação, transformando-se em um espaço de mera administração de rotinas, quanto problematizá-las, promovendo reflexão e resistência.
Nesse ponto, o papel do diretor é crucial: ele não deve limitar-se à função burocrática ou gerencial, mas precisa assumir uma postura pedagógica e crítica diante das formas de alienação que atravessam a cultura contemporânea, em prol da formação humana.
Assim como Adorno denuncia que a astrologia desvia a atenção dos indivíduos para preocupações banais, o diretor pode contribuir para que a escola não se reduza a práticas superficiais ou à mera adequação às demandas externas, desviando-se das necessidades dos indivíduos em formação. Pelo contrário, deve fomentar um ambiente em que o conhecimento seja instrumento de emancipação, estimulando professores e estudantes a desenvolverem consciência crítica.
Nesse sentido, a partir deste texto de Adorno, podemos sugerir que, o diretor de escola, à semelhança do intelectual crítico, precisa resistir às tendências de conformismo e instrumentalização da educação, assumindo o compromisso de manter a escola como espaço de reflexão, autonomia e formação para a cidadania democrática.
Referências
ADORNO, Theodor W. As estrelas descem à terra: o horóscopo como ideologia. Tradução de Carlos Eduardo Jordão Machado e Newton Ramos de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

