Reflexões sobre o ensaio “O fetichismo na música e a regressão da audição”

Sandy Katherine Weiss de Almeida

Rosemary Roggero

Adorno faz uma análise sobre o papel da música na lógica da mercadoria, apropriando-se do conceito marxiano de fetichismo da mercadoria. Marx havia mostrado que, no capitalismo, os produtos adquirem uma “vida própria”, encobrindo as relações sociais de trabalho que os originam. Adorno, de forma dialética, transpõe essa noção para a esfera musical: a música, quando inserida na indústria cultural, deixa de ser experimentada como obra autônoma e passa a ser consumida como objeto de valor de troca, reduzida a mera mercadoria.

O fetichismo na música se expressa na primazia do valor de troca sobre o valor de uso. O público não ouve a música em sua estrutura imanente, mas a consome como status, moda ou repertório que confere distinção social. O valor da obra passa a ser medido por critérios extramusicais, como o nome do intérprete, a fama da peça, a sua posição nos “rankings” e não pela experiência estética efetiva, pela fruição.

Adorno identifica, nesse ensaio, um processo de reificação da escuta, em que o ouvinte não se apropria do conteúdo musical em sua complexidade, mas apenas a consome passivamente. Essa regressão está associada à padronização e à serialização das obras na indústria cultural, que reforçam o conformismo e reduzem a arte à mercadoria ornamental ou de fundo.

Contudo, a crítica adorniana não é apenas contra a música popular massificada; ela se estende também à recepção da música erudita, quando esta é fetichizada como peça de museu, consumida apenas como “clássico” a ser reverenciado, e não como experiência viva de forma e conteúdo.

Compreender os conceitos de Adorno e compreendê-los nos contornos da educação, nos coloca em pauta a formação da sensibilidade estética e a função emancipatória da arte. A regressão da audição não é um problema meramente individual, mas um sintoma social de uma subjetividade moldada pela lógica mercantil. O desafio pedagógico seria pensar como possibilitar experiências de escuta que escapem da mera reprodução fetichizada, abrindo espaço para a apropriação crítica e para a autonomia do sujeito diante da arte.

Pensando nas reflexões de Adorno e o papel do diretor de escola

O ensaio “O fetichismo na música e a regressão da audição”, de Theodor W. Adorno, oferece uma chave interpretativa importante para pensar a função da música no espaço escolar e, de modo mais específico, o papel do diretor na mediação entre cultura, currículo e formação. Ao transpor o conceito marxiano de fetichismo da mercadoria para a esfera musical, Adorno denuncia o processo pelo qual a obra de arte, ao ser apropriada pela lógica mercantil, perde seu caráter estético autônomo e passa a ser consumida como objeto de status, distinção social ou mera repetição de fórmulas. A música, sob tal perspectiva, não é experienciada em sua densidade formal e crítica, mas reduzida à mercadoria cultural.

Na educação, tal diagnóstico se revela particularmente fecundo, na medida em que a escola tende a reproduzir, em suas práticas, o mesmo movimento de fetichização. A música é frequentemente incorporada ao espaço escolar como ornamento: utilizada em celebrações, apresentações públicas e eventos institucionais, mais como recurso de visibilidade e legitimação do que como prática pedagógica de formação estética. Nesse contexto, a audição e a produção musical se reduzem à performance de vitrine, conferindo à escola capital simbólico perante a comunidade (ainda que para esse público a fruição estética também já não aconteça), mas esvaziando a possibilidade de experiência crítica por parte dos “ouvintes”.

É nesse ponto que o papel do diretor de escola adquire centralidade. Como gestor pedagógico e cultural, o diretor não pode restringir-se à função burocrática de organizar eventos ou legitimar a instituição por meio de “boas apresentações”. Cabe-lhe, antes, mediar a inserção da música no currículo de modo a evitar sua instrumentalização fetichizada e a promover sua potência formativa. Isso implica conceber a música, nos eventos, como espaço de experiência estética, de confrontação sensível e de produção coletiva de sentido.

O diretor, nesse horizonte, assume a tarefa de tensionar o currículo vivo contra o currículo ornamental. Projetos musicais não podem ser reduzidos a mera exibição para pais e autoridades, mas devem possibilitar práticas de escuta ativa, análise crítica e participação criativa dos alunos. Do mesmo modo, a gestão deve problematizar hierarquias culturais que reforçam o fetichismo – como a dicotomia entre “música erudita” legitimada e “música popular” desvalorizada –, buscando promover uma mediação que democratize o acesso a diferentes repertórios e que, sobretudo, estimule uma relação reflexiva e autônoma com a arte.

Assim, a crítica Adorniana ao fetichismo da música aponta para um desafio pedagógico e político que recai diretamente sobre a gestão escolar: resistir à mercantilização simbólica da cultura e promover condições para que a música, na escola, seja vivida como experiência emancipatória. Nesse sentido, o diretor é chamado a ser não apenas administrador, mas também mediador cultural e formador, responsável por garantir que a música cumpra seu papel educativo no sentido mais pleno: não o da adaptação e do conformismo, mas o da formação crítica da sensibilidade e da consciência dos sujeitos.

Referências

ADORNO, Theodor W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: ______. Textos escolhidos. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Sandy Katherine Weiss de Almeida

Doutoranda em Educação pela Uninove. Atuou como professora de português em escolas públicas e privadas do Município de São Paulo. Atualmente está como Assistente de Direção da rede municipal de ensino de SP. Estuda a formação de gestores na rede.

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