Adorno, por que pesquisar a função social da escola?

Um olhar curioso para o cotidiano movimenta aqueles que fazem pesquisa e comigo não foi diferente! Sou uma apaixonada pelos centros de educação infantil e suas práticas pedagógicas que envolvem o cuidar e educar e, sim, eu poderia ter me voltado para a pesquisa deste lugar, mas olhando bem a complexidade, as atuais demandas, as políticas públicas e as informações que circulam sobre ensino fundamental, repensei meus caminhos e ajustei as lentes para olhar a função social da escola.

No começo deste ano, eu tinha certeza do que queria, mas aos poucos, minhas aventuras nas releituras da Teoria Crítica, me levaram a me sentir confusa e pouco certa do que estava fazendo.

Logo na entrega do programa do Grupo de Estudos em Teoria Crítica, deste semestre, me vi diante de textos conhecidos como Teoria Tradicional e Teoria Crítica, Introdução a Sociologia, o Conceito de Esclarecimento e outros, que me faziam concluir que seria um semestre de poucas descobertas e mais afirmações, mas na prática, isso se deu de forma totalmente contrária, pois as leituras foram organizadas de tal maneira que pensássemos na metodologia de pesquisa da teoria crítica, o que me levou a pensar no porquê eu deveria pesquisar a função social da escola.

Com os estudos sobre o Conceito de Esclarecimento, que destaca que o esclarecimento é tanto uma busca pela verdade quanto uma forma de manipulação e controle, pois distancia os humanos da experiência direta com a natureza, tornando-a um objeto de estudo e domínio racional e que embora o esclarecimento possa parecer uma busca por verdade, na prática ele muitas vezes serve para reforçar padrões de dominação, função essa que é disfarçada por uma aparência de racionalidade e evidência. Questões como essa me fizeram retomar meu objeto de pesquisa e sua relevância para as discussões contemporâneas. Estaria eu traçando um caminho de pesquisa puramente técnica e descrita sobre a escola e sua função ou ainda, estaria negando a importância desta instituição e esquecendo os interesses envolvidos em sua manutenção? Estes e outros questionamentos me angustiaram nas primeiras semanas.

O esclarecimento não era a garantia da conquista da verdade ou da legitimidade da pesquisa, mas uma categoria que estaria ligada a uma espécie de racionalização que, embora se apresente como libertadora ou esclarecedora, na prática, também beneficia os moldes do sistema de dominação cultural e econômica.

Diante destas discussões, passei a me perguntar quais caminhos eu poderia percorrer que não me levassem  à mera reprodução de padrões que, numa perspectiva progressita, queremos superar. Na busca desta resposta, questionei: Adorno, por que pesquisar a função social da escola? E Adorno não me deixou sem resposta, especialmente quando adentramos a leitura de “Educação – para quê?”, na qual ele retoma a função social da escola, que envolve mais do que a simples transmissão de conteúdos; ela desempenha um papel fundamental na formação de sujeitos críticos e emancipados capazes de resistir às formas de dominação e barbárie presentes na sociedade. A escola deveria contribuir para a desbarbarização da humanidade, promovendo a emancipação individual e coletiva, combatendo a alienação e fomentando a contestação às estruturas de poder que reproduzem a desigualdade e o autoritarismo.

A função social da escola, segundo Adorno não estaria ligada apenas as notas, conceitos, conteúdos e resultados do IDEB, mas que a escola deve colaborar na elaboração de uma cultura que dialogue com a realidade social, criticando a falsa cultura produzida pela indústria cultural e fornecendo ferramentas para que os indivíduos possam compreender e transformar seu ambiente social. Assim, sua função social está relacionada à construção de cidadãos autônomos, conscientes de suas possibilidades e limites, capazes de participar ativamente da sociedade democrática e resistir à barbárie.

A escola tem, portanto, uma função essencial para manutenção da democracia e o combate às violências. Destaco, ainda, em que medida esta instituição tem atuado como um espaço de formação potencialmente libertador, formando sujeitos capazes de transformar as condições sociais e, contribuindo para uma sociedade mais justa e emancipada, que dê subsídios para que estudantes olhem a realidade e possam intervir sobre ela de modo consciente? O que as políticas públicas atuais revelam sobre que pessoas se quer formar e para quem é esta escola pública contemporânea?… Mais discussões e mais questões surgiram e isso é muito bom, me faz concluir que meu objeto de pesquisa tem potência, possibilidade e importância para o momento que estamos vivendo.

Referências

ADORNO, T.. Educação – para quê?. In: Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1995d.

______. Indústria Cultural – o iluminismo como mistificação das massas / Crítica Cultural e Sociedade. In: Teoria Cultural e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

HORKHEIMER, M. E ADORNO, T. W.. O Conceito de Esclarecimento. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores. 1997.

Gisele Pereira Kubo

Curiosa, falante e apaixonada pela educação pública. Supervisora Escolar na prefeitura de São Paulo, atua na zona sul, cercada pela cultura e pelas dimensões desse território. Especialista em Designer Instrucional pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho (Uninove), com as lentes da teoria crítica, tem olhado as rotinas do dia de outra forma e com novos sentidos.

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